quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Voltou o " Lápis Azul " ?

Tudo o que a seguir se vai relatar decorreu no último domingo (22/02/09) numa de feira do livro em Braga.



A PSP de Braga após ser chamada pelos pais de algumas crianças que estavam a criar alvoroço junto de um dos expositores de venda decidiu apreender 5 exemplares do livro “Pornocracia” de Catherine Breillat, justificando a mesma com “o perigo de alteração da ordem pública”. A causa desta situação é a capa do livro em que questão, que apresenta uma imagem do quadro de Gustave Coubert, “A Origem do Mundo” que expõe uma vagina nua.
Segundo parece, neste Portugal de brandos costumes e fazendo fé nas palavras do Segundo-Comandante da PSP, Henriques Almeida, a exposição de uma obra de arte em via pública leva “à iminência de confrontos físicos”. Como é óbvio tal ataque à liberdade de expressão não pode passar incólume ao escrutínio da comunicação social e já diversos foram os interlocutores a analisar e criticar este caso.


Um deles foi o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, considerando esta situação como “erro grave”. Concluindo ainda que a PSP face a queixas por parte dos cidadãos deveria limitar-se a avisar que a exposição do nu artístico é permitida por um decreto-lei de 1976 promulgado pelo então Presidente da República, Costa Gomes, tendo os cidadãos que se conformar e não se aproximar. E se houvesse mesmo o risco para a tranquilidade pública, a PSP teria de actuar sobre os eventuais meliantes e não sobre os vendedores ou sobre a exposição.
No mesmo sentido manifesta-se o actual bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, classificando a actuação da PSP como “um atentado à liberdade de expressão que lembra os piores tempos de antigamente”. Fazendo aqui menção à censura existente durante o Estado Novo.
Um “verdadeiro acto de censura”, é como António Lopes, o empresário vitima desta actuação desproporcionada classifica o caso.


Porém, 48 horas após o sucedido, a PSP compreendeu que o que estava em questão é uma obra de arte, e não havendo fundamento para a respectiva apreensão, procedeu-se à devolução dos cinco exemplares, assim como foi enviada uma comunicação ao Ministério Público para que este considerasse sem efeito o auto que permitiu a apreensão.

Diversas questões têm de ser analisadas no que toca a este caso.
A primeira delas já foi abordada acima, que é óbvia e repugnante tentativa de censura levada a cabo pela PSP. A liberdade de expressão é um direito fundamental, e como tal está consagrado na Constituição da República Portuguesa, mais especificamente no seu artigo 37.º
O seu n.º1 prevê a universalidade deste direito, aplicando-se de forma igual a todos os cidadãos, não sendo permitido, ao abrigo do n.º2 o exercício de nenhum tipo ou forma de censura, o que ocorreu ostensivamente neste caso.
De salientar ainda a incompetência da actuação da PSP, pois segundo o n.º3 do mesmo artigo as infracções cometidas ao abrigo deste direito só podem ser apreciadas pelos tribunais judiciais ou por entidade administrativa independente. A PSP de Braga, facilmente se entende, não é um tipo de nenhuma destas entidades.
Importa ainda salientar o citado decreto-lei de 1976 que estabelece a diferença entre o estético ou o nu artístico e o pornográfico, como erroneamente algumas destas pessoas classificavam a imagem em questão.

De destacar ainda a pobreza cultural que grassa em Portugal, evidente quando forças de segurança confundem uma obra de arte exposta no Museu D’Orsay em Paris da autoria de Gustave Coubert, um dos percursos do estilo realista, com mera pornografia. Ainda é mais alarmante este aspecto se atendermos ao facto que para se ser comandante ou subcomandante da PSP é necessária uma licenciatura, o que permite presumir alguns conhecimentos rudimentares de arte e cultura.


Analisemos agora a actuação da PSP de Braga. Segundo parece, os agentes foram alertados por alguns cidadãos e prontamente os agentes foram analisar a questão, apreendendo os exemplares do livro e tendo mesmo que pôr cobro a um eventual risco de “confrontos físicos”. É de louvar a prontidão com que a PSP tratou deste caso, porém se compararmos com as actuações (inexistentes) da PSP noutras zonas do país, mais concretamente nos chamados “bairros sociais” onde espectadores de um jogo de futebol entre vizinhos é vitima de uma bala perdida, qualquer um se questiona sobre a realidade e necessidade de acções como a que ocorreu em Braga, quando o País atravessa uma situação de generalizada insegurança que terá tendência a agravar-se com o desenvolvimento da crise económica que afecta Portugal.

As forças de segurança e as intervenções do poder político são necessários noutros sectores, que não este, onde se permitiu o atropelo a uma das conquistas de 1974.


Entende-se assim, que esta situação teria um desfecho muito mais harmonioso, podendo chegar-se ao caso de não ter ocorrido, se o sistema educacional nacional fosse diferente, e se ao invés de formar, quase exclusivamente, para as áreas técnicas do saber incidisse também nas humanidades, concretamente nas áreas da História e da Cultura, cujo conhecimento não faz mal a ninguém, permitindo ainda o futuro desenvolvimento de gerações com um “background” intelectual mais voltado para a ética e razão combatendo assim muitos dos valores advindos dos tempos da Velha Senhora, pois se os tempos continuaram, os valores que sustentam a sociedade ainda têm muito correr para os apanhar.


Importa ainda apurar a identidade da pessoa sobre a qual recai a responsabilidade da decisão de apreender estes livros, sendo ainda necessário um comunicado por parte do ministro da Administração Interna, Rui Pereira. Não congratula em nada a Justiça portuguesa casos onde a culpa morre solteira, como o caso do sequestro a uma agência do BES no ano passado, onde um operacional dos GOE ceifou a vida a um dos meliantes sem que lhe fosse instaurado um processo disciplinar.


Parece-nos ser ainda importante analisar a cobertura mediática dada a esta questão.
Se por um lado, o “Público” fez uma análise descomprometida do assunto, cingindo-se aos factos e ao Direito, recolhendo opiniões de reconhecidos juristas, o “Jornal de Notícias” abordou o tema de forma mais conservadora, analisando o tema da perspectiva dos valores envolvidos, recolhendo opiniões junto de algumas das pessoas que estavam no recinto e os sujeitos directamente envolvidos na causa. Por toda a blogosfera têm surgido comentários a este caso e todos eles vão no sentido da opinião que defendemos, entendendo que a PSP é necessária para muitas coisas e tem muitas tarefas, mas nenhuma delas inclui a censura.



É por estas e por outras que a confiança que os portugueses depositam no sector da Justiça é baixa e surgem cada vez mais situações de insegurança e crime pois o “Poder é Fraco perante os Fortes e faz-se Forte perante os Fracos”, havendo uma séria crise de prioridades dos agentes políticos deste país. Crise esta, que será ainda mais notória quando se aproximarem as eleições deste ano.

2 comentários:

  1. De destacar ainda a discricionaridade de que os agentes das forças policiais se acharam imbuídos para actuarem desta forma. De lamentar também o profundo desconhecimento de uma obra que precisamente por ser polémica ou visualmente sugestiva goza de grande notoriedade.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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