quarta-feira, 25 de março de 2009

Sistemas Administrativos de tipo britânico e de tipo francês

Os Sistemas Administrativos no Direito Comparado

Introdução

- A estruturação da Administração Pública varia em função do tempo e do espaço.
- Os modos jurídicos de organização, funcionamento e controlo da Administração não são os mesmos em todas as épocas e em todos os países.
- Sistema tradicional que vigorou na Europa até aos Séculos XVII e XVIII.
- Sistemas modernos que se implantaram posteriormente, designadamente em França e Inglaterra.

Sistema Administrativo Tradicional

- O Sistema Administrativo da Monarquia tradicional europeia assentava nas características seguintes:

a) Indiferenciação das funções administrativas e jurisdicional; inexistência de uma separação rigorosa entre os órgãos do poder executivo e do poder judicial.
O Rei era simultaneamente o supremo administrativo e o supremo juiz, podendo exercer tanto a função administrativa como a judicial.

b) Não subordinação da administração Pública ao principio da legalidade; insuficiência do sistema de garantias jurídicas dos particulares face à administração.
Não havia subordinação da Administração Pública. Não havia normas que regulassem a mesma e quando havia nem sempre revestiam carácter jurídico (meras instruções ou directivas internas, sem carácter obrigatório externo).
Normas que não vinculam o poder soberano, que apenas obrigam os funcionários subalternos perante os superiores hierárquicos.
Não conferiam quaisquer direitos aos particulares face à administração pública (os particulares não se podiam queixar de ofensas cometidas pela Administração contra os seus direitos ou interesses legítimos).


Em 2 palavras:
1. Não havia separação de Poderes
2. Não havia Estado de Direito

Mudança: Alteração do panorama:
- 1688, com a grande Revolução em Inglaterra;
- 1789, com a Revolução Francesa.

A) Dividiu-se o poder do Rei em funções diferentes e entregaram-se estas a órgãos distintos. A função administrativa separa-se da função jurisdicional e os órgãos de uma diferenciados e independentes da outra. Consagra-se a separação de Poderes.
B) Proclamaram-se os direitos humanos como direitos naturais anteriores e superiores aos do Estado. A Administração Publica ficou submetida a verdadeiras normas judiciais de carácter externo e obrigatório. Os particulares ganharam o direito de invocar essas normas a seu favor nos seus direitos ofendidos pela administração. Nasceu o Estado de Direito.
A Implementação dos sistemas Administrativos modernos segue vias distintas na Inglaterra e em França.

Sistema Administrativo de tipo Britânico ou de Administração Judiciária


Aspectos fundamentais do Direito Anglo-saxónico em geral:

- Lenta formação ao longo dos séculos;
- Papel destacado do costume como fonte de direito;
- Distinção entre common law e equity;
- Função primacial dos tribunais;
- Vinculação à regra do precedente;
- Grande independência dos juízes e forte prestígio do poder judicial.

Características do sistema administrativo de tipo britânico:

a) Separação de Poderes: O Rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa e foi proibido de dar ordens aos juízes, transferi-los ou demiti-los.
b) Estado de Direito: Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos foram consagrados “ Bill of Rights” (1689). O Rei ficou subordinado ao Direito consuetudinário, resultante de costumes sancionados pelos tribunais. O “ Bill of Rights” determinou que o direito comum seria aplicável a todos os ingleses sem excepção.
c) Sujeição da administração aos Tribunais Comuns: os litígios que surjam entre as entidades administrativas e os particulares não são, em regra, da competência de quaisquer tribunais especiais, entram na jurisdição normal dos tribunais comuns. São dadas soluções iguais aos problemas da Administração Pública a aos problemas da vida privada.
d) Subordinação da Administração ao Direito Comum: Todos os órgãos e agentes da Administração Publica, estão submetidos ao direito comum, o que significa que por via de regra não dispõem de privilégios ou de prerrogativas de autoridade pública. O rei, os outros órgãos da Administração Central e os municípios estão todos, como os particulares, subordinados ao direito comum.
e) Execução judicial das decisões administrativas: no sistema administrativo de tipo britânico a Administração Publica não pode executar as suas decisões por autoridade própria. Se um órgão da Administração toma uma decisão desfavorável a um particular e se o particular não acata voluntariamente, esse órgão não poderá por si só empregar meios coercivos para impor o respeito da sua decisão: terá de ir ao tribunal (comum). As decisões unilaterais da Administração não têm força executória própria, não podendo por isso ser impostas pela coacção sem previa intervenção do poder judicial.
f) Garantias jurídicas dos Particulares: os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Publica. O particular cujos direitos tenham sido violados pode recorrer a um tribunal superior (King`s Bench), solicitando um «mandado» ou uma «ardem» do tribunal à autoridade para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Os tribunais comuns gozam de plena jurisdição: Papel Preponderante exercido pelos Tribunais.


Sistema Administrativo de tipo Francês ou de Administração Executiva

Traços essências do direito romano-germanico em geral:
- Escassa relevância do costume;
- Sujeição a reformas globais impostas pelo legislador em dados momentos;
- Papel primordial da lei como fonte de direito;
- Distinção básica entre o direito publico e o direito privado;
- Função de importância muito variável dos tribunais na aplicação do direito legislado;
- Maior influência da doutrina jurídica do que da jurisprudência.
- Mais prestigio do poder executivo do que do poder judicial.

Características do sistema administrativo de tipo Francês

a) Separação dos poderes: Com a Revolução Francesa foi proclamado em 1789, o princípio da separação de poderes. A administração ficou separada da justiça – poder executivo para um lado, poder judicial para o outro.
b) Estado de direito: Enunciaram-se os direitos subjectivos públicos invocáveis pelo indivíduo contra o Estado: é de 1789 a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, cujo artigo 16º, exige um sistema de “garantia dos direitos”.
c) Sujeição da Administração aos tribunais administrativos: Depois da revolução, continuando os tribunais comuns nas mãos da antiga nobreza, esses tribunais foram focos de resistência à implantação do novo regime, das novas ideias, da nova ordem económica e social. O poder politico teve de tomar providências para impedir intromissões do poder judicial. Surge, assim, uma interpretação do principio da separação de poderes diferente da que prevalecia em Inglaterra:
- o poder executivo não podia intrometer-se nos assuntos da competência dos tribunais e o poder judicial também não poderia interferir no funcionamento da Administração Pública.
- a lei proíbe aos juízes que conheçam de litígios contra as autoridades administrativas e em 1799 são criados os tribunais administrativos, que não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos da administração, independentes e imparciais – incumbidos de fiscalizar a legalidade dos actos da Administração e de julgar o contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.
d) Subordinação da Administração ao direito administrativo: Os órgãos e agentes administrativos pela sua força, eficácia e capacidade de intervenção, não estão na mesma posição que os particulares; exercem funções de interesse público e utilidade geral e devem por isso dispor quer de poderes de autoridade, que lhes permitam impor as suas decisões aos particulares, quer de privilégios ou imunidades pessoais, que os coloquem ao abrigo de perseguições ou más vontades vindas dos interesses feridos.
e) O privilégio da execução prévia ou auto-tutela: O direito administrativo confere, pois, à Administração Pública um conjunto de poderes exorbitantes sobre os cidadãos que permite à Administração executar as suas decisões por autoridade própria. Quando um órgão da Administração francesa toma uma decisão desfavorável a um particular e se ele não a acata voluntariamente, esse órgão pode por si só empregar meios coactivos, inclusive a polícia, para impor o respeito pela sua decisão e pode fazê-lo sem ter de recorrer a tribunal para o efeito.
f) Garantias jurídicas dos particulares: O sistema administrativo francês, concede aos particulares um conjunto de garantias jurídicas contra os abusos e ilegalidades da Administração Pública. Essas garantias são efectivadas através dos tribunais administrativos, e não por intermédio dos tribunais comuns. Se os tribunais são independentes perante a Administração, esta também é independente perante aqueles. E por isso são as autoridades administrativas que decidem como e quando hão-de executar as sentenças que hajam anulado actos seus. As garantias jurídicas dos particulares face à Administração são aqui menores do que no sistema britânico, só aos poucos se foi reforçando a posição dos particulares perante os poderes públicos.


O sistema francês vigora hoje em dia em quase todos os países da Europa
ocidental, nomeadamente em Portugal, desde 1832.




Esquematização dos sistemas:

Britânico VS Francês

-Organização administrativa descentralizada -Organização administrativa
centralizada

- Controlo jurisdicional da Administração- -Controlo jurisdicional da
entregue aos tribunais comuns- unidade de administração- entregue aos
jurisdição tribunais administrativos-
dualidade de jurisdições


-O direito regulador da administração- -Direito regulador da
direito comum, basicamente direito privado administração- direito
administrativo que é
direito público

-Execução das decisões administrativas- -Execução das decisões
o sistema de administração judiciária fá-la administrativas-o sistema
depender de sentença do tribunal (protecção de administração executiva
dos direitos individuais de cada um dos par- atribui autoridade própria a
ticulares) essas decisões e dispensa a
intervenção prévia de qual-
quer tribunal (prossecução
do interesse público)


-Quanto às garantias jurídicas dos particulares -Quanto às garantias jurídi-
a Inglaterra confere aos tribunais comuns amplos cas dos particulares a França
poderes de injunção face à Administração, só permite aos tribunais
logo esta bem como a generalidade dos administrativos que anulem
cidadãos estão subordinados aos tribunais as decisões ilegais das
comuns autoridades ou as condenem
ao pagamento de indemniza-
ções, ficando a adminis-
tração independente do
poder judicial

-Contencioso de plena jurisdição (devido -Contencioso de mera
à separação de poderes não ser tão rígida) anulação





Debate sobre os sistemas Francês e Britânico:

Tal como combinado, o debate decorreu no dia 18/03/09. A turma foi dividida em dois e cada um dos grupos defendeu a sua posição. Um dos elementos de cada grupo ficou responsável por expor os argumentos iniciais que melhor defendessem a sua posição. Foram os seguintes:

Sistema Britânico:
1) Unicidade de jurisdição garante melhor a posição do particular
2) Direito unitário
3) Melhor defesa judicial dos direitos subjectivos
4) Descentralização


Sistema Francês:
1) Dualidade de jurisdições = especialização dos tribunais
2) Auto-tutela
3) Maior especialização substantiva – afirmação do direito administrativo


De seguida decorreu o debate com novos argumentos e contra argumentos:

• Argumentos dos defensores do sistema Inglês contra o primeiro ponto francês, a ideia da especialização:

- zonas de fronteira – ideia de que a especialização pode ser nefasta nas zonas de fronteira (fenómenos de fuga para o direito privado).

• Argumentos dos defensores do sistema Francês contra o primeiro ponto Inglês:

- os princípios de direito privado valem nos mesmos termos para as entidades públicas e privadas? Sendo que vigora o principio da autonomia privada para os particulares e o principio da legalidade para as entidades publicas. Foi a questão que foi levantada. Foi defendido que um direito comum não seria o mais apropriado.

• Refutação do argumento francês da auto-tutela:

- a ausência de poder de auto-tutela no sistema Inglês, obriga a Administração a executar as decisões. Há uma maior tendência para o compromisso e tutela dos particulares.
- a Administração não actua só através do acto administrativo, mas também através de materiais, negociações, em vez de usar poderes de execução. Aferem-se contrapartidas, tal como no sistema Britânico.

• Argumento contra o terceiro ponto do grupo inglês:

- não há mais tutela dos direitos dos particulares no direito inglês do que no direito francês.

Refutação do grupo inglês:

- foi defendido o argumento do controlo de mérito no sistema inglês, enquanto que a tutela no sistema francês é de legalidade)
- decisão dos tribunais ingleses sobre a bondade da decisão (se a decisão é legal e se é boa ou má)


Argumentos que n fazem sentido. Com o controlo de mérito o juiz além de julgar iria também administrar. Porém há a auto-limitação do juiz que em regra não decide.


• Argumento contra o terceiro ponto do grupo francês:

- foi defendido que a tendência histórica vai mais no sentido da defesa dos particulares.



Seguiram-se as alegações finais:

Sistema Britânico:
1) Maior garantia dos direitos e tutela dos particulares; administração mais paralisada nas suas decisões.

Sistema Francês:
1) Maior especialização e autonomia da Administração Pública face ao modelo britânico.



Por fim foi realizada a votação:

Sistema Britânico – 15 votos
Sistema Francês – 13 votos


Publicado por Teresa Morgado

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